15/07/2019
O que está por trás da queda nas vendas de automóveis na China?
No final do mês de abril, a revendedora da Buick de Xangai, na China, encontrou-se em um dilema desconhecido: como vender quase 80 sedãs e utilitários esportivos que lotavam seu estacionamento.
O cerne do problema era um prazo de até 30 de junho para os carros construídos para os chamados padrões de emissão China-5 serem vendidos. Depois disso, apenas veículos que atendessem a novos padrões poderiam ser colocados à venda.
As pessoas ainda estavam indo à loja, mas não estavam comprando os carros do estágio 5, segundo relata Ron Li, chefe da concessionária.
"Os clientes não sabem por quanto tempo podem dirigir carros China-5 ou se poderiam revendê-los no futuro. E, para ser honesto, nós também não sabíamos."
Para lidar com isso, sua concessionária em maio reduziu os preços dos veículos China-5 em até 30%, participando do que revendedores e executivos do setor chamaram de "descontos sem precedentes", já que as vendas de automóveis da China tiveram sua pior queda mensal.
Incentivada por um governo central ávido por combater a poluição, Xangai é uma das 15 cidades e províncias que implementaram os os novos padrões do estágio 6 antes do prazo original de 1º de julho de 2020.
A Reuters falou com funcionários de cerca de 20 concessionárias em Xangai, Pequim e nas províncias de Jiangsu e Zhejiang - que também anteciparam a implementação de novos padrões - e todos informaram que os carros estágio 5 estavam sendo difíceis de vender.
Alguns revendedores ofereceram descontos de mais de 2 mil dólares comparando ao mesmo modelo que atende aos padrões do estágio 6. Uma concessionária da Peugeot em Xangai chegou a oferecer um carro compacto grátis para os clientes que comprassem um SUV 5008.
Enquanto a economia em desaceleração e a guerra comercial com os Estados Unidos foram inicialmente responsabilizadas por problemas nas vendas desde abril, a maior parte da culpa agora está sendo atribuída ao rápido controle das novas regras em 15 cidades e províncias.
A queda de 16% nas vendas em relação ao ano anterior está levando a revisões pessimistas nas previsões de vendas de automóveis da China para 2019, período em que a maioria dos analistas achava que as vendas apresentariam um crescimento moderado.
Agora, a expectativa é de um declínio anual das vendas de cerca de 5%, que seguiria uma queda de 2,8% em 2018, quando as vendas diminuíram pela primeira vez desde a década de 1990. Mas Yale Zhang, analista da Automotive Foresight, com sede em Xangai, acredita que a queda pode estar próxima de 10%.
"Aqueles veículos não vendidos de China-5 em áreas-chave serão vendidos para outras regiões e as vendas nessas áreas também serão atingidas", disse ele.
A praga da poluição
Na China, a poluição se tornou uma fonte importante de descontentamento público, e Pequim declarou "guerra à poluição" há cinco anos, buscando diminuir os danos ambientais causados durante quatro décadas de crescimento econômico vertiginoso.
Para isso, buscou agressivamente a adoção dos carros elétricos e seus padrões de emissão do estágio 6 são considerados os mais rigorosos do mundo.
O governo central ampliou sua campanha antipoluição no ano passado, intimando as autoridades locais a implementar os padrões do estágio 6 antes do tempo. A província de Hainan, no sul do país, foi a primeira a pular na onda, dizendo que estava pensando em fazer isso em novembro de 2018.
Isso gerou anúncios de outras províncias e cidades que começaram a levar adiante suas datas de implementação - embora os prazos variassem, de janeiro a março e até julho. As províncias, incluindo Hainan, mais tarde adiaram a adoção das medidas depois que comerciantes locais reclamaram que não seriam capazes de vender estoques de carros.
A confusão se seguiu e apenas no mês passado as autoridades esclareceram que os compradores dos carros estágio 5 poderiam revendê-los.
Os revendedores também precisarão arcar com o custo de transporte de carros não vendidos do estágio 5 para outras cidades e províncias onde a implementação ocorrerá mais tarde. Enquanto isso, as montadoras tiveram que lidar com dores de cabeça relacionadas à implantação dos modelos do estágio 6 no mercado a tempo.
"Por que as empresas não podem organizar a produção e o lançamento de novos produtos de acordo com as regras?", disse Shi Jianhua, funcionário sênior da Associação de Fabricantes de Automóveis da China, em uma coletiva de imprensa em junho.
"A data de implementação das regras China-6 foi fixada, então por que foi acelerada de uma forma que não dá às empresas tempo suficiente?", acrescentou criticando as medidas do governo.
Embora as montadoras não precisem necessariamente fazer mudanças fundamentais na tecnologia de motores para atender aos novos padrões, elas precisam adicionar catalisadores e criar melhores sistemas de filtragem que retenham os gases de escape e as partículas. Em alguns casos, essas mudanças podem levar alguns anos para serem projetadas e executadas, disseram engenheiros à Reuters.
Os problemas são "o custo e o tempo necessários para projetar componentes específicos no projeto de um determinado motor", disse um engenheiro da General Motors na China, recusando-se a ser identificado por não estar autorizado a falar com meios de comunicação.
O processo para obter aprovação regulatória para modelos de carros pode levar de seis meses a um ano, e agências de teste de veículos, como o Centro de Pesquisa e Tecnologia Automotiva da China (Catarc), não têm laboratórios suficientes para atender à repentina demanda, disseram várias fontes deste setor.
O Catarc não respondeu pedidos para comentar o assunto.
Isso significa que as montadoras produziram menos veículos compatíveis com o estágio 6 do que o esperado.
Apenas 21% dos carros vendidos em maio atingiram os padrões do estágio 6, mas isso deve subir para 50% se a oferta atender a demanda.
A Volkswagen AG, maior marca estrangeira da China, disse em comunicado enviado por e-mail que todas as linhas de modelos existentes atenderão aos padrões do estágio 6 em regiões importantes desde 1º de julho.
"Atualmente, temos um estoque razoável de veículos da China-5 e estamos reduzindo isso, realocando os modelos em todo o país", acrescentou.
Um representante da Ford Motor Co disse que quase toda a sua linha é compatível com o estágio 6. A GM não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Um representante da Geely disse que todos os seus modelos a gasolina cumpriam os padrões do estágio 6, enquanto um porta-voz da Toyota disse que a montadora japonesa tem reserva técnica para atender aos novos padrões e que a mudança para as regras do estágio 6 não traz um grande impacto.
A Nissan Motor Co Ltd é amplamente considerada na indústria como a fabricante de automóveis internacional mais preparada, tendo afirmado que desde fevereiro 90% de sua fabricação de automóveis na China atingiu os padrões do estágio 6.
Por outro lado, as montadoras locais, como GAC e Great Wall Motor, ainda tinham modelos esperando para serem verificados em junho, de acordo com o Centro de Controle de Emissões de Veículos do governo.
Para alguns clientes, no entanto, a confusão em torno da mudança para novos padrões de emissões foi uma vitória.
"Eu conheço bem os carros. Esses veículos da China-5 são tecnologicamente avançados o suficiente. Por que eu não deveria comprar um carro novo com grandes descontos?", disse Jiang Lingfeng, ao verificar um sedã Regal no showroom da Buick em Xangai.
Fonte: Uol Carros